quarta-feira, 19 de março de 2014

Não tolero intolerância...

Ontem me deparei com uma postagem do humorista Fábio Porchat no Facebook, em que uma imagem trazia a seguinte mensagem:

"Você aprendeu na escola sobre respeitar os índios? SIM!?! Virou índio? Não? ... Então porque diabos acha que ensinar a seu filho a respeitar gays o fará se tornar um homossexual."

Obviamente a comparação soa um tanto absurda, mas ela é bem plausível (principalmente para aqueles que, como eu, crêem que a homossexualidade não é uma característica adquirida, mas sim inata, tanto quanto sua etnia), afinal, nenhum europeu pode decidir aos 5 ou 10 anos se tornar asiático, assim como uma pessoa que nasce homossexual não tem a opção de ser heterossexual; e para ser ainda mais "comparável", nossos antepassados "domesticaram" os índios, dando-lhes educação e comportamento inerente aos europeus, tanto quanto nossa sociedade atual força homossexuais a se comportarem como heterossexuais para serem aceitos e tratados com respeito e dignidade.

Indo além da postagem em sí, os comentários me trouxeram um certo desconforto, pois muitas pessoas se colocaram contra os direitos dos homossexuais, afirmando que a mídia quer tornar a homossexualidade uma moda, que Deus disse que isso é errado, que a família é homem e mulher, que os gays querem ter mais direitos que outros cidadãos. Ora, se a luta dos homossexuais é por direitos idênticos aos casais heterossexuais, como se pode afirmar que eles querem mais direitos do que os outros? Ou, o que me causa ainda mais espanto, muitos diziam que respeitam mas não aceitam o comportamento homossexual. Quem sou eu, quem é você, quem somos nós para acharmos que temos algum direito ou incumbência garantidos por alguém (Deus?!) para que precisemos aceitar a sexualidade de outrém para que esta seja legítima? O indivíduo deve ter o direito de se relacionar com quem tiver vontade e por quem sentir desejo (claro que consensualmente, mediante reciprocidade e com respeito à integridade física e moral do parceiro), pois o corpo é dele, assim como o corpo do parceiro é do parceiro e tange somente a eles a intimidade que compartilham.

A mídia divulga amplamente e exibe protestos, traz à tona a discussão sobre as leis que regulamentam união estável entre homossexuais, a adoção de crianças por casais gays, o posicionamento intolerante de políticos de bases religiosas porque o assunto precisa ser discutido, visto que vivemos em uma sociedade democrática. Jornais e revistas trazem também diversas notícias que expressam o lado mais triste e cruel do preconceito, pois, frequentemente, pessoas são espancadas, torturadas e mortas por causa de sua sexualidade. Um comportamento que lembra as piores passagens da história humana, pois assim como no holocausto, onde a religião era o critério de seleção para a morte, hoje a sexualidade em muitos casos é a sentença de morte. Esse compromisso da mídia de divulgar esses absurdos e a luta daqueles que sofrem o preconceito não pode ser considerado uma tentativa de tornar moda a homossexualidade, mas sim um compromisso com um assunto atual e polêmico que precisa ser discutido, além de exibir essa violência contra as minorias que precisa ser contida.

Vi também pessoas criticarem aquilo que chamam de "kit gay", afirmando que ele pode incentivar a homossexualidade em crianças e adolescentes (eu tenho grandes dúvidas sobre a homossexualidade ser adquirida ou inata, mas tendo a acreditar que ela é, de fato, inata, porque não consigo encontrar a necessidade de incentivo para que alguém seja heterossexual e também pela expressão da mesma na natureza, onde diversas espécies demonstram comportamento homossexual). A meu ver, a ideia desse kit é divulgar, informar e demonstrar às crianças que o homossexualismo existe, é comum e todos, hetero ou homossexuais, devem ser tratados e respeitados da mesma forma, assim como mostrar também, que não é errado ser homossexual (ENTENDAM: ENSINAR QUE NÃO É ERRADO, NÃO SIGNIFICA ENSINAR QUE ESTA É A ÚNICA MANEIRA CORRETA DE SE VIVER A SEXUALIDADE). Acredito sim que muitas crianças possam ter problemas para compreender isso, mas serão aquelas crianças que tem pais fechados, antiquados, que não têm um diálogo aberto e franco com os filhos, que perdem chances valiosas de ensinar e orientar as crianças por causa da intolerância e de preconceitos tolos sem fundamentos.

O ponto crucial da questão é quando a religião entra no debate e as pessoas utilizam o discurso de que a bíblia diz que é imoral, que é pecado, ou quando dizem que Deus criou o homem e a mulher e que esta é a base da família e uma lei que permita o casamento gay vai contra os preceitos e a base familiar. Vamos começar por uma coisa básica: O Estado é (teoricamente) LAICO! Ou seja, não se deveria nem tomar como um argumento válido algo que se encontra em um livro de uma religião. Indo além, a suposta imoralidade e aversão divina ao homossexualismo não se demonstra na natureza, onde, como disse acima, diversas espécies animais tem comportamento homossexual. Quanto à reprodução, o mundo já está superlotado e diversas dessas famílias "como Deus quer" têm pais e mães drogados que estupram, torturam, espancam, humilham e matam seus filhos. Ora, se a família é "convencional" não interessa o tratamento que dão a seus filhos, mas fundamentalistas lutam para que gays não possam adotar crianças, porque afinal, um pretenso incentivo à homossexualidade certamente é muito mais grave que as atrocidades cometidas pelas famílias "normais". O mais grave é que quando você busca um diálogo para tentar modificar esse pensamento engessado, não existe outro argumento plausível para que a pessoa seja contra, apenas o fundamentalismo religioso, cego e descabido. É inconcebível pra mim que pessoas que se julgam inteligentes pautem em um livro com mais de dois mil anos o comportamento e os preceitos para nossa sociedade moderna. Quero deixar claro que creio em Deus e não desmereço a bíblia, mas a vejo como um livro, um maravilhoso livro, de onde podemos tirar boas lições e de onde devemos ter o discernimento de ignorar aquilo que não tem mais cabimento em nossa realidade.

Para evoluirmos como seres humanos, é fundamental que consigamos superar as diferenças de religiões, cor, sexualidade, classe social e qualquer outra, para que aprendamos e passemos a tratar o próximo como um semelhante, que tenhamos empatia para entender o sofrimento que causa a intolerância e o preconceito. Espero que um dia sejamos capazes de imitar os animais e possamos deixar de sermos brancos, negros, gays, héteros, judeus, cristãos, ricos, pobres e passemos a ser apenas humanos, como um peixe é apenas um peixe.

** Agradecimento especial à minha amiga Michele Silva pela colaboração com a revisão do texto.

Fugindo da inércia - morte de Bin Laden

Pessoal, faz tempo que não posto por aqui, mas retornei ao blog e encontrei um texto que eu escrevi há muito tempo, mas não publiquei. Estou publicando somente para não ficar com a sensação de que tenho um assunto inacabado no blog e todos sabemos que os fantasmas só existem por causa dos assuntos inacabados.

Claro que o fato já é antigo, mas o assunto em sí (violência e o desrespeito à vida), infelizmente, não sai de moda.

Ai vai:



Fofinhos, para quebrar o gelo, venho aqui escrever algumas linhas sobre a morte do terrorista Osama Bin Laden.

Acredito que os atos terroristas planejados e financiados pelo Bin Laden tenham sido a mais terrível parte da história recente de nossa sociedade, uma demonstração da suprema ignorância, intolerância, banalidade e violência que podem atingir e destruir nossa pretensa racionalidade, nos transformando em animais muito piores que os irracionais.

Um ser humano que planeja e executa atos que tragam como consequência a morte de outros seres humanos, e ainda é capaz de afirmar que o fez em nome de um deus, só pode ser alguém que tenha sido atingido por essa suprema ignorância, alguém que não entendeu a mensagem de seu deus e distorce as palavras das sagradas escrituras das mais diversas para ratificar seu impulso violento.

Hoje, após quase dez anos de intensa e ininterrupta busca, ele foi localizado e morto por uma tropa americana, em um esconderijo no Paquistão. Nessa noite, americanos se reuniram e comemoraram a morte do terrorista em frente à Casa Branca.

Apesar de toda crueldade e de todos os atos praticados por Bin Laden, a morte, na minha visão, jamais deveria ser comemorada, festejada, brindada, por pior que seja aquele que morreu. Comemorar a morte é tão desumano quanto planejá-la, por mais desespero que este homem tenha trazido para as pessoas, ainda é um ser humano. Não critico a caçada e o ato de matá-lo, mas a espetacularização e o festejo sobre seu cadáver, que demonstram que por mais dor que sintamos com atos desumanos, não aprendemos a ser humanos de verdade e não perdemos chances de demonstrar essa desumanidade que nos acompanha.

Provavelmente eu não seja compreendido diretamente, talvez o texto exija uma re-leitura para um completo entendimento, mas o que eu realmente quero dizer é que, por mais que ele merecesse, nós não devemos dançar sobre sua sepultura e sim, demonstrarmos que por termos sido testemunhas e vítimas de atos desumanos, queremos banir essa falta de humanidade de nossa sociedade, esquecendo, deixando-a de lado e, para tanto, não devemos reproduzir atos imbuídos deste valor (ou desvalor).

Como seres humanos, fomos todos testemunhas e também vítimas dos atentados planejados, financiados e incentivados por Bin Laden, e ainda como seres humanos, devemos ser capazes de pensar sobre sua morte não com alegria, mas sim com a preocupação de criarmos um futuro menos desumano, não apenas abolindo e condenando práticas que sejam permeadas por essa característica, mas principalmente dando ênfase à disseminação de um pensamento mais humano, inclusivo, tolerante, repleto de valores éticos e morais, capaz de tornar as pessoas mais preocupadas com o próximo, compreendendo suas diferenças e limitações, bem como sendo capazes de lidar com essas características e superá-las, abrindo caminho para uma sociedade que seja globalizada não só no âmbito comercial e mercantil, mas também no âmbito humano.